Travessias e atravessamentos de uma categoria colonial persistente no pós-independência em Moçambique
o problema da tradição como diferença
Palavras-chave:
Moçambique, Tradição, ColonialidadeResumo
Através de apontamentos históricos e etnográficos, o artigo procura investigar e problematizar os usos da tradição como categoria de diferenciação e poder no contexto moçambicano. Categoria analítica e política forjada no âmbito da dominação colonial portuguesa, através da qual delimitou-se o indigenato de forma interseccional com outras categorias classificatórias, a tradição atravessou o corte histórico da independência e permaneceu como fundamento de diferenciações estruturais em Moçambique até os dias de hoje. Combatida inicialmente pelo governo independente da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), a tradição serviu para a produção e identificação de inimigos internos e como argumento ideológico que permitiu à Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) obter apoio principalmente entre as populações rurais durante a guerra civil. No pós-guerra, o reconhecimento oficial de uma entidade nacional de médicos tradicionais e o estabelecimento de chefias tradicionais como parte da estrutura estatal permitiram a persistência da tradição como agência política na arena do Estado. O estudo de caso das relações entre chefias tradicionais e um posto administrativo no interior do distrito de Homoíne, Sul de Moçambique, em uma área que abrigou bases da Renamo durante a guerra civil, permite compreender como agentes da tradição, outrora deslegitimados e perseguidos, estabelecem hoje jogos de poder que compelem os agentes estatais a reconhecerem a tradição como dado de realidade e agência política incontornável, a fim de manterem a governabilidade de zonas em que a capilaridade do poder do Estado é dependente das negociações e alianças com as autoridades tradicionais. Tal cenário revela uma certa persistência da colonialidade do poder em Moçambique.